Clube dos Insetos

14.3.09

O TATU BOLA DE JARDIM PERTO DA EXTINÇÃO



(Artigo de autoria do Christian Roiha de Oliveira. Gentilmente cedido a este blog pelo autor e publicado originalmente na Revista Viverde.


O TATU BOLA DE JARDIM PERTO DA EXTINÇÃO

É curioso imaginar que um animal tão pequeno e comum esteja sob ameaça. Porém para sua escala de tamanho isso está ocorrendo. Longe de qualquer perigo numa escala continental ou nacional, mas do nosso jardim. Na verdade, nosso velho conhecido desde a infância, o “Tatu bola”, é o representante mais notável de uma classe trabalhadora inteira de pequenos seres, que cada vez menos são encontrados em nossos jardins. Esses pequenos seres representados aqui pelo tatu bola são conhecidos tecnicamente como macro e micro-organismos do solo. São eles uma infinidade de pequenos a minúsculos insetos, inofensivas aranhas, formigas, fungos, bactérias, cupins de jardim, caramujos, larvas e a nossa amiga, a minhoca. Esses pequenos e numerosos seres prestam um serviço indispensável à vida que está sendo dispensado pela maioria de nós. A falta do Tatu bola e daqueles seres que ele representa aqui, é atribuído a um problema ambiental e econômico urbano.

Cada vez mais os restos de faxinas em jardins são tratados equivocadamente e de forma generalizada como “lixo” por cidadãos, empresas, profissionais de jardinagem e pelo próprio serviço público. Nem mesmo poderiam ser tratados como “resíduos” já que são parte indispensável nos ecossistemas. É frequente observar em frente das casas sacos de lixo, as vezes dezenas deles, com folhas, galhos e grama cortada, empilhados para o recolhimento pelo serviço público de coleta de lixo.

Os seres que o Tatu Bola aqui representa são responsáveis pela decomposição da matéria orgânica, ou mais apropriadamente, pelo consumo desta. Entende-se por matéria orgânica aqui, tudo aquilo que já fez parte de um ser vivo ou que já foi um como folhas, galhos, pelos, fezes de animais, ossos, madeira, restos de comida, animais mortos etc. Os macro e micro-organismos do solo, como são técnicamente chamados, em quantidade apreciável são capazes de consumir em velocidade impressionante todo esse “lixo verde” e como consequência melhorar a qualidade do solo, beneficiando principalmente as plantas pela ciclagem de nutrientes. O “lixo verde”, que deve ser encarado como matéria orgânica, é o melhor condicionador do solo por proporcionar condições para a manutenção da vida desses seres decompositores. Criando um verdadeiro ecossistema na superfície e nos primeiros 30 cm do solo, esses organismos fragmentam e se alimentam da matéria orgânica, excretando, escavando túneis no solo, revolvendo e fertilizando o solo através da disponibilização de nutrientes como N, P, K (Nitrogênio, Fósforo e Potássio), antes fixados nas moléculas orgânicas de folhas, galhos e outros materiais orgânicos, na quantidade e velocidade ideal de tal forma que somos incapazes de proporcionar para as plantas através de fertilizantes e adubos químicos. Também protege o solo do carregamento pela as águas das chuvas (erosão) e estimula o florescimento das plantas. As atividades desses seres se dá principalmente na ausência de luz sob certas condições de umidade, temperatura e aeração. Sem entrar no méritos dos valores, mas as condições ideais para sua existência são aqueles cantinhos úmidos que batem pouco sol como nos canteiros aos pés das plantas e árvores, que irão se beneficiar enormemente com a atividade deles. Além de achar um destino para o “lixo verde” o depósito desse material sobre o solo garante a seu equilíbrio físico, químico e a umidade ideal do mesmo para as plantas. A tão famosa terra vegetal que se compra por ai, nada mais é do que o “lixo verde” processados por estes fantásticos seres. O idolatrado húmus é a fração mais fina da matéria orgânica processada por estes mesmos seres, que adere nos grãos de minerais do solo.

A nossa riquíssima e exuberante floresta amazônica, por exemplo, se mantém principalmente devido às atividades dos macro e micro-organismos do solo. A história de que o solo da Amazônia é pobre e impróprio para agricultura convencional, não é um mito. Com as abundantes chuvas, a umidade sob a copa das árvores e o calor intenso daquela região, uma folha é decomposta em uma questão de horas, disponibilizando os nutrientes incorporados nela para que seja absorvido pelas raízes das plantas novamente, e assim garantindo um ciclo sustentável de nutrição da floresta. Sem essa manta de matéria orgânica, tecnicamente conhecida como “serrapilheira” ou “liteira”, o solo é praticamente lavado pelas águas das chuvas que arrastam consigo os nutrientes, e como consequência empobrece o solo e prejudica os rios. A serrapilheira funciona também como uma camada protetora do solo contra a erosão das águas de chuvas, permitindo plena infiltração d’água e proteção contra os raios solares que literalmente esteriliza o solo através do aquecimento e inibição no desenvolvimento dos macro e micro-organismos sensíveis aos raios solares.

Atualmente a agricultura começa a descobrir os benefícios da matéria orgânica através da adoção do sistema de cultivo conhecido como “plantio direto” ou “cultivo mínimo”, que preserva a palhada os restos das plantas mortas sobre o solo entre outras práticas, diminuindo a necessidade de adubação química, irrigação e do uso de defencivos tóxicos no combate às plantas daninhas.

Em alguns países desenvolvidos como Austrália, Nova Zelândia e na Europa, espessas camadas de casca de pinus e matéria orgânica picada é utilizada como forragem do chão de playgrounds, trilhas por meio de parques e em canteiros onde se deseje evitar o crescimento do mato. Ainda em alguns parques, árvores centenárias são mantidas com suas raízes protegidas contra o pisoteio com um largo canteiro de matéria orgânica ao redor do tronco. Isso evita o crescimento abundante de ervas daninhas e garante o suprimento de nutrientes para esses majestosos seres.

Como se não bastasse o benefício para solo e plantas, a decomposição de matéria orgânica sobre o solo é uma prática que cumpre um papel significativo combate do efeito estufa, uma vez que estimativas de pesquisadores e cientistas afirmam que o solo com matéria orgânica é responsável por reter até 12 kg de carbono por metro quadrado nos primeiros 100 cm de profundidade, enquanto que na parte aérea, acima do nível do solo, contabilizando todas a plantas, se consegue metade desse valor por metro quadrado nas florestas tropicais da Amazônia, por exemplo.

Há quem torça o nariz para a adoção de novas práticas e mudança de hábitos. A decomposição de folhas, galhos e matéria orgânica de outra natureza sobre solo nos jardins e vasos, não agrada a todos estéticamente e parece ser mais correto ensacar tudo e colocar na frente de casa para o lixeiro levar. Entretanto, agindo dessa forma, estamos onerando o serviço público municipal desnecessariamente, contribuindo para o aumento de gastos públicos e impostos, com um material que facilmente poderia permanecer no jardim e beneficiá-lo. Quando juntamos tudo numa pilha o volume assusta um pouco, porém esse material picado com o auxílio do facão ou picadores trituradores para jardins (já existem no mercado em vários modelos!) seu volume diminui significativamente e pode ser facilmente depositado nos canteiros, nos pés das árvores e plantas cobrindo o solo. A partir daí quem se encarrega para terminar os serviço são os macro e micro-organismos do solo. Quanto mais fragmentado o material, mais rápido é o consumo da matéria orgânica. Em dias frios ou em épocas muito secas, as atividades dos macro e micro-organismos são prejudicadas ou até mesmo paralisadas.

O material picado e espalhados sobre o solo nu numa camada de 5 cm a 10 cm é garantia de solo saudável e sem mato. A medida que se depositam sucessivas camadas de matéria vegetal morta, a camada inferior é consumida e o solo começa a tornar se mais escuro, ideal para as plantas. A remoção de folhas, galhos e gravetos como lixo é abrir mão de um bom fertilizante orgânico. Não há risco de invasão dessa fauna para dentro das residências, e toda matéria orgânica que não exala forte odor ou mau cheiro não atrai moscas. Não há ambiente preferido por eles do que os cantinhos escuros do nosso jardim, vasos e aos pés dos muros. Sendo apenas folhas, galhos, restos de plantas e aquela poeira que se acumula no quintal, não atrai ratos. As plantas agradecem e o tatu bola também.

Christian Roiha de Oliveira
Engº Florestal

Tatu Bola


Li um artigo muito interessante sobre insetos de jardins na Revista Viverde de autoria de Christian Roiha de Oliveira. Foi publicado na Revista Viverde - http://www.revistaviverde.com.br/edicao/008edicao.pdf

Se conseguir autorização pretendo publicar aqui.